Um “acordo” histórico, e que serve de lição para o mundo, colocou direita e esquerda juntas na Assembleia da República de Portugal para frear o monstro do fascismo, representado na pequena nação europeia pelo histriônico partido de extrema direita ‘Chega’. O PSD (Partido Social Democrata) e o PS (Partido Socialista) acertaram de forma oficial um arranjo que já era ventilado nos últimos dias, no qual as duas siglas historicamente adversárias desde a redemocratização do país, há 50 anos, se alternarão na presidência do parlamento.
Não havia ficado claro se PSD e PS governariam juntos (no sentido mais literal de um governo de composição), como aliados, mas após uma declaração dada esta noite pelo líder dos socialistas, Pedro Nuno Santos, isso ficou totalmente descartado. O acordo, a bem da verdade, é para que a direita, num primeiro momento, lidere a Assembleia da República com o deputado José Pedro Aguiar-Branco (PSD) na sua presidência, por dois anos, para que na sequência a esquerda indique um nome para presidir a Casa pelo mesmo período, já que “havia um impasse parlamentar”, nas palavras da liderança do PS.
“O PS, como partido responsável que quer preservar as instituições democráticas do nosso país, fez uma proposta que nos permitisse resolver e seguirmos com o trabalho parlamentar, político, para verdadeiramente nos concentrarmos nos problemas do país”, afirmou Nuno Santos.
Os principais analistas políticos portugueses acreditam que uma espécie de trégua, regada a muita civilidade e alguma cumplicidade nas principais matérias de interesse nacional, garantirá que as duas forças democráticas sustentem a normalidade na Assembleia da República, deixando a extrema direita, que mais do que quadruplicou sua bancada no último pleito (indo de 12 para 50 deputados), isolada e à margem do poder. No entanto, desde o 10 de março, dia da eleição e da indicação que o PS havia sido derrotado, o partido admitiu a derrota e afirmou que o lugar da sigla era na oposição, conduzindo-a. Pelas declarações atuais de Nuno Santos, isso segue do mesmo modo, embora a “solução”, lida como “trégua”, aponte para um acordo civilizacional e democrático.
“Do ponto de vista político, o PS continuará a ser oposição. O líder do Chega não é líder da oposição, é chefe da confusão. Nós lideraremos a oposição de forma construtiva, responsável, mas que não haja ilusões sobre o futuro da política em Portugal: o PS não será um suporte de um Governo da AD e é bom que isso fique claro para todos”, reforçou o líder do PS.
O ‘Chega’, que conquistou mais de um milhão de votos e teve 18% da preferência do eleitorado, desde o fechamento das urnas já flertava com o PSD para que, juntos, formando uma maioria sólida, governassem em parceria. O líder da direita tradicional, Luís Montenegro, que foi indigitado primeiro-ministro pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e apresentará seu gabinete em 2 de abril, durante a campanha eleitoral já havia dito que “não é não” a essa possibilidade, e rechaçou qualquer aproximação com a horda de radicais ultrarreacionários, inclusive falando em “formar um cordão sanitário” para isolá-los.
A vitória do PSD sobre o PS foi por 0,02%, o que na prática revelou uma insignificante diferença de 1.552 votos, dando ao primeiro partido (na verdade à sua coalizão, a AD, composta junto com duas legendas nanicas) 77 cadeiras no parlamento, enquanto os socialistas somaram 78. Mesmo os socialistas estando à frente por um deputado, a vitória da AD (grupo liderado pelo PSD) foi reconhecida pela maioria numérica de eleitores, ainda que pequena. “Aliados”, PSD e PS conseguem 155 parlamentares na Assembleia da República, o que lhes garante enorme facilidade para, em tese, aprovar o que for necessário num universo de 230 deputados, embora pareça óbvio que os dois partidos em algum momento começarão a se estranhar em razão de suas diferenças ideológicas e de seu histórico de rivalidade.
A medida para forçar o isolamento da extrema direita deixou André Ventura, o líder do ‘Chega’, furioso. Ainda na última terça-feira (26), o homem que gosta de ser referido como “o Bolsonaro português” falava sobre um “acordo” com o PSD, o que foi negado posteriormente, de forma peremptória, por integrantes da direita tradicional. Vendo, agora oficialmente, os arquirrivais históricos praticamente lado a lado, embora desconfortáveis com isso, Ventura disse que Montenegro, primeiro-ministro e chefe do PSD, “já tinha encontrado seu companheiro de viagem”, em alusão ao Partido Socialista, capitaneado por Nuno Santos, muito demonizado pela legenda extremista, que assim como outras do mesmo tipo, por todo o planeta, tenta rotular os setores progressistas como “comunistas malvados”.