Este 6 de janeiro marca o aniversário de três anos da invasão do Capitólio, em Washington, por apoiadores do então presidente americano Donald Trump, inconformados com sua derrota na tentativa de reeleição.
Dois dias depois, o Brasil lembra o primeiro ano após os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, também descontentes com sua derrota nas urnas, invadiram e depredaram prédios do governo na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Apesar das semelhanças entre os dois episódios, Estados Unidos e Brasil ainda lidam com suas consequências de maneira diferente, aponta o analista Carlos Gustavo Poggio, especialista em relações Brasil-EUA e professor de Relações Internacionais do Berea College, no Estado americano do Kentucky.
Em entrevista à BBC News Brasil, Poggio afirma que, passados três anos da invasão de 6 de janeiro de 2021, os Estados Unidos veem uma queda na qualidade de sua democracia.
Nos Estados Unidos, conforme o professor, “a esperança para tentar recuperar um pouco a confiança nas normas democráticas e a saúde da democracia norte-americana foi perdida” no momento em que o Senado inocentou Trump em seu segundo processo de impeachment, instaurado após a invasão e poucos dias antes do fim de seu mandato.
Em 6 de janeiro de 2021, uma multidão invadiu o Capitólio, sede do Legislativo dos EUA.
Já no Brasil houve uma reação muito mais forte das instituições após o 8 de janeiro, “visto com um certo horror, inclusive por bolsonaristas”, segundo o analista.
Carlos Gustavo Poggio é especialista em relações Brasil-EUA e professor de Relações Internacionais do Berea College, no Estado americano do Kentucky .
Pessoas acusadas de participar das invasões foram presas e condenadas nos dois países, e tanto Trump quanto Bolsonaro foram alvo de investigações na Justiça. Mas, até agora, os dois ex-presidentes tiveram destinos distintos.
No Brasil, Bolsonaro está inelegível até 2030, fruto de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relacionada não ao 8 de janeiro, mas sim a uma reunião com diplomatas estrangeiros em julho de 2022, na qual o então presidente divulgou notícias falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas.
Nos Estados Unidos, apesar de esforços de alguns Estados para retirar o nome de Trump das cédulas, sob a acusação de que ele teria cometido insurreição, a questão legal segue à espera de um veredito da Corte Suprema dos EUA. Além disso, o ex-presidente republicano continua sendo o favorito para ganhar a indicação de seu partido para disputar a Presidência em 5 novembro deste ano.
Pesquisas de opinião mostram que Trump não apenas é o favorito entre os pré-candidatos republicanos, mas também lidera em uma eventual disputa com o presidente Joe Biden, que busca a reeleição.
Para Poggio, caso Trump seja confirmado como o candidato republicano à Presidência, deve-se esperar novo caos nas eleições americanas deste ano.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – Três anos depois do 6 de janeiro nos Estados Unidos, e um após o 8 de janeiro no Brasil, quais as consequências desses episódios para os dois países?
Carlos Gustavo Poggio – A consequência não apenas do episódio, mas de como se lidou com ele, é uma questão importante. Nos Estados Unidos, o momento certo para tentar algum tipo de punição dentro das regras do país, da Constituição norte-americana, foi o segundo processo de impeachment de Donald Trump.
Ocorre que, por uma questão de cálculo político, e algum nível de covardia, muitos senadores republicanos, inclusive alguns que não são tão afeitos a Trump e ao trumpismo, acharam que não valia a pena votar pelo impeachment e que isso seria algo passageiro. Afinal de contas, Trump já havia perdido as eleições e, portanto, (pensaram) vamos partir para o próximo candidato.
Esse foi um cálculo completamente equivocado com relação ao que se conhece sobre Trump. E, agora, eles têm um problema grave nas mãos. É claro que Trump volta, e volta reforçando o mesmo discurso que levou ao 6 de janeiro. E esse é um discurso que reforça a deterioração das normas democráticas dos EUA.
E aqui nós falamos da diferença entre regras e normas. Você tem as regras, que são as leis. Mas existem algumas normas, que são uma série de regras não escritas. Uma delas, por exemplo, é a norma da concessão. Um presidente, quando perde as eleições, deseja sorte ao próximo presidente, pede a unificação do país. Isso é importante, porque mantém a confiança na democracia.
Todo candidato a presidente dos Estados Unidos tem feito isso porque, por mais egoísta que seja, pensa não apenas em si próprio, mas no país como um todo. Mas Trump é incapaz de pensar em qualquer outra coisa que não seja em si próprio. Então, isso levou a um processo gradual de deterioração dessas normas democráticas. E o que nós estamos vendo é uma queda da qualidade da democracia norte-americana.
Com o Trump agora concorrendo, pesquisas mostram que há hoje mais pessoas que acham que Joe Biden é um presidente ilegítimo do que havia no passado. E, se acham que o Biden é um presidente ilegítimo, acham que a democracia americana é ilegítima. Então, passam a não acreditar em normas democráticas. E passa, portanto, a haver abertura para alternativas não democráticas e para um discurso mais autoritário que é, afinal de contas, o discurso que Trump tem adotado cada vez mais.
O caso do Brasil é diferente, porque Jair Bolsonaro, por conta da legislação brasileira, acabou sendo declarado inelegível. Teve uma reação das instituições muito mais forte. E não houve, como no caso do Trump, uma mobilização de setores da sociedade para proteger Bolsonaro. O 8 de janeiro foi visto com um certo horror, inclusive por bolsonaristas. Você não tem muita gente no Brasil que abertamente defenda o 8 de janeiro.
Nos Estados Unidos, isso não teria se consolidado se o Trump tivesse sofrido um impeachment lá atrás e fosse carta fora do baralho. A esperança para tentar recuperar um pouco da confiança com as normas democráticas e a saúde da democracia norte-americana foi perdida naquele momento.
No Brasil nós temos outro processo institucional, e acabou levando a um outro caminho. E a própria força do Bolsonaro na sociedade não é tanta quanto a de Trump. Bolsonaro não tem, ao contrário do Trump, um partido que ele controla. Trump capturou o Partido Republicano, e isso dá a ele uma vantagem muito grande.