Nos últimos dias, um fenômeno curioso tem chamado atenção no cenário político nacional: a onda de projetos de lei propondo a proibição do atendimento de bebês reborn no sistema público de saúde. A palavra-chave bebê reborn ganhou espaço nos debates parlamentares, ainda que praticamente inexistam ocorrências concretas que justifiquem tamanha mobilização. Levantamento feito com secretarias de Saúde revela que apenas um único caso foi registrado em todo o país, o que levanta dúvidas sobre a real necessidade dessas medidas legislativas.
O caso isolado envolveu uma jovem com transtorno psiquiátrico em Guanambi, no sul da Bahia, que teria tentado levar um bebê reborn para atendimento numa UPA. A tentativa foi rapidamente contida, sem que ela chegasse a entrar na unidade. Apesar disso, o fato foi utilizado como justificativa para apresentar pelo menos 25 projetos de lei em câmaras municipais, assembleias legislativas e até no Congresso Nacional. O tema bebê reborn, nesse contexto, parece mais uma estratégia política do que uma resposta a uma demanda concreta da população.
A maior parte das propostas legislativas contra o atendimento de bebê reborn foi protocolada por parlamentares da direita e da extrema direita. Os projetos sugerem multas elevadas, chegando a R$ 50 mil, para quem tentar obter atendimento médico para bonecos. Também incluem restrições quanto ao uso do transporte público e benefícios sociais voltados a crianças reais. O uso repetitivo da expressão bebê reborn nos textos das proposições mostra como o tema tem sido tratado como uma pauta prioritária, mesmo sem respaldo estatístico que justifique sua urgência.
Especialistas ouvidos pela imprensa apontam que os projetos envolvendo bebê reborn servem apenas para gerar visibilidade nas redes sociais e marcar posição política junto ao eleitorado conservador. Segundo analistas, é comum em períodos pré-eleitorais surgirem temas polêmicos que movimentam a base ideológica desses grupos. O foco, portanto, não está em resolver um problema real, mas em promover uma identidade política ligada à moralidade e aos costumes tradicionais.
Outro ponto relevante é o uso de desinformações para justificar as propostas. Um vídeo da influenciadora Yasmin Becker com um bebê reborn em um hospital foi amplamente compartilhado fora de contexto, sendo apontado como suposta tentativa de atendimento. No entanto, ela apenas acompanhava uma amiga que havia dado à luz. Mesmo com a explicação pública da influenciadora, parlamentares seguiram usando o episódio como prova de que o atendimento a bebê reborn estaria se tornando um problema crescente.
Antropólogos e cientistas políticos observam que a discussão em torno do bebê reborn revela uma disputa simbólica maior, relacionada à ideia de família e aos papéis sociais atribuídos às mulheres. Enquanto homens adultos que colecionam bonecos de ação são vistos como entusiastas ou nerds, mulheres adultas com bonecas são frequentemente classificadas como desequilibradas. A figura do bebê reborn, portanto, serve de pano de fundo para reforçar preconceitos de gênero e manter uma vigilância moral sobre comportamentos considerados desviantes.
Além disso, o foco em temas como bebê reborn desvia a atenção do Legislativo de pautas realmente urgentes, como saúde pública, educação, segurança e combate às desigualdades. Enquanto parlamentares se preocupam em proibir o atendimento médico de bonecos, milhões de brasileiros enfrentam dificuldades reais para acessar serviços básicos de saúde e suporte psicológico. A escolha dessas prioridades revela muito sobre o projeto de país defendido por esses grupos políticos.
Por fim, é importante refletir sobre o impacto que esse tipo de pauta gera na sociedade. O alarde em torno do bebê reborn cria uma falsa sensação de crise e reforça estigmas sobre saúde mental e comportamentos alternativos. Em vez de promover o acolhimento e a compreensão, os projetos de lei em questão contribuem para a marginalização de indivíduos vulneráveis e para o fortalecimento de discursos que dividem a população. O bebê reborn, nesse cenário, torna-se apenas um símbolo de uma guerra cultural que pouco contribui para o bem-estar coletivo.
Autor: Xerith Estrope